terça-feira, 31 de agosto de 2010

Movimento



Passada a fase
de admiração,
vivo
o que a beleza me deu
presente
sensações...
Serão elas
as minhas companheiras.
Meu rebanho.
Volto ao meu chão
sobre cabeças
e à lua cheia na minha janela
no terceiro andar.
Na casa escura,
aquela luz no chão do quarto
e da sala
não me diz nada.
Como diria Caieiro:
(grande Pessoa a quem agradeço)
apenas a vejo.
Até que ela suma
minguando.
Então entendo,
abro os olhos e sei.
Tenho que esperar
até que eu possa vê-la
na outra janela.
Crescente.
Como se fosse a vida!
Movimento.


foto: Luiza

sábado, 28 de agosto de 2010

Há metafísica bastante em não pensar em nada


     O que penso eu do mundo?
     Sei lá o que penso do mundo!
     Se eu adoecesse pensaria nisso.
     Que idéia tenho eu das cousas?
     Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
     Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
     e sobre a criação do Mundo?
     Não sei.  Para mim pensar nisso é fechar os olhos
     e não pensar. É correr as cortinas
     da minha janela (mas ela não tem cortinas).
     O mistério das cousas?  Sei lá o que é mistério!
     O único mistério é haver quem pense no mistério.
     Quem está ao sol e fecha os olhos,
     começa a não saber o que é o sol
     e a pensar muitas cousas cheias de calor.
     Mas abre os olhos e vê o sol,
     e já não pode pensar em nada,
     porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
     de todos os filósofos e de todos os poetas.
     A luz do sol não sabe o que faz
     e por isso não erra e é comum e boa.
     Metafísica?  Que metafísica têm aquelas árvores?
     A de serem verdes e copadas e de terem ramos
     e a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
     a nós, que não sabemos dar por elas.
     Mas que melhor metafísica que a delas,
     que é a de não saber para que vivem,
     nem saber que o não sabem?
     "Constituição íntima das cousas"...
     "Sentido íntimo do Universo"...
     Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
     É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
     É como pensar em razões e fins.
     Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
     um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
     Pensar no sentido íntimo das cousas
     é acrescentado, como pensar na saúde
     ou levar um copo à água das fontes.
     O único sentido íntimo das cousas
     é elas não terem sentido íntimo nenhum.
     Não acredito em Deus porque nunca o vi.
     Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
     sem dúvida que viria falar comigo
     e entraria pela minha porta dentro
     dizendo-me: Aqui estou!
     (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
     de quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
     não compreende quem fala delas
     com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
     Mas se Deus é as flores e as árvores
     e os montes e sol e o luar,
     então acredito nele,
     então acredito nele a toda a hora.
     E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
     e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
     Mas se Deus é as árvores e as flores
     e os montes e o luar e o sol,
     para que lhe chamo eu Deus?
     Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
     porque, se ele se fez, para eu o ver,
     sol e luar e flores e árvores e montes,
     se ele me aparece como sendo árvores e montes
     e luar e sol e flores,
     é que ele quer que eu o conheça
     como árvores e montes e flores e luar e sol.  
     E por isso eu obedeço-lhe,
     (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
     Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
     Como quem abre os olhos e vê,
     e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
     e amo-o sem pensar nele,
     e penso-o vendo e ouvindo,
     e ando com ele a toda a hora.

poesia: Alberto Caieiro
foto : Luiza

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Leve



     Leve, leve, muito leve,  
     Um vento muito leve passa,  
     E vai-se, sempre muito leve.  
     E eu não sei o que penso  
     Nem procuro sabê-lo. 

Alberto Caieiro

O Meu Olhar



     O meu olhar é nítido como um girassol.
     Tenho o costume de andar pelas estradas
     Olhando para a direita e para a esquerda,
     E, de vez em quando, olhando para trás...
     E o que vejo a cada momento
     É aquilo que nunca antes eu tinha visto
     E eu sei dar por isso muito bem...
     Sei ter o pasmo essencial
     Que tem uma criança se, ao nascer,
     Reparasse que nascera deveras...
     Sinto-me nascido a cada momento
     Para a eterna novidade do mundo...     
     Creio no mundo como num malmequer,
     Porque o vejo.  Mas não penso nele
     Porque pensar é não compreender ...
     O mundo não se fez para pensarmos nele
     (Pensar é estar doente dos olhos)                  
     Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
     Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
     Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
     Mas porque a amo, e amo-a por isso,
     Porque quem ama nunca sabe o que ama
     Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
     Amar é a eterna inocência,
     E a única inocência não pensar...


    Alberto Caieiro




quinta-feira, 26 de agosto de 2010

conversando com o poeta 2


colaboração no diálogo: Ugo Perissinotto

adorei a brincadeira Ugo!
grazie.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

conversando com o poeta


ele me ouviu
calmo e sereno.
eu senti :

"Tenho razão de sentir saudade"
e entendi...
"Não há falta na ausência"


porque...
"O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode..."


sim...
"És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos."


e ele me explicou porque...
"A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez."
......................................

"Eu não devia te dizer
mas essa lua ...( momento)
esse conhaque (  abraço)
botam a gente  ( me botou ) 
comovido (a) 
como o diabo."
.......................................
rio de janeiro, praia de copacabana
eu e meu amigo Drummond
21 de agosto de 2010
http://www.youtube.com/watch?v=PgQalo1T5ZU&feature=related











terça-feira, 17 de agosto de 2010

um outro olhar na manhã

Hoje de manhã
duas maritacas gritavam
no telhado do meu prédio.
Na verdade, num cantinho,
equilibradas sobre um fio,
que eu nem sabia que existia.

Nunca olho para cima
quando vou para a garagem

Não sei de onde vieram,
mas gritavam tanto,
que me obrigaram a um olhar diferente .
Maritacas?
Aqui?
Nesse frio?.

Que lindas!!!
Barulhentas!!!
Agoniadas?

Perdidas , provavelmente.
Procurando a primavera
antes do tempo.
Procurando um chorão
que deve ter secado
por não poder mais chorar...
tão seco esse ar...

É  inverno!!!
Uma secura que arde na alma 
que seca as folhas e  lágrimas
da mais linda árvore.
Mas não cala o grito.

Lindas maritacas!!!!
Secas, sedentas,
vivas!!!

terça-feira, 10 de agosto de 2010

cavalinho branco

À tarde, o cavalinho branco está muito cansado: mas há um pedacinho do campo onde é sempre feriado. O cavalo sacode a crina loura e comprida e nas verdes ervas atira sua branca vida. Seu relincho estremece as raízes e ele ensina aos ventos a alegria de sentir livres seus movimentos. Trabalhou todo o dia, tanto! desde a madrugada! Descansa entre as flores, cavalinho branco, de crina dourada!

Cecília Meireles

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

a ponte e a flor



ponte

vida vento
vendaval
o tempo
no seu tempo
presenteia

flor





foto: Ugo Perissinotto.