sábado, 28 de agosto de 2010

Há metafísica bastante em não pensar em nada


     O que penso eu do mundo?
     Sei lá o que penso do mundo!
     Se eu adoecesse pensaria nisso.
     Que idéia tenho eu das cousas?
     Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
     Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
     e sobre a criação do Mundo?
     Não sei.  Para mim pensar nisso é fechar os olhos
     e não pensar. É correr as cortinas
     da minha janela (mas ela não tem cortinas).
     O mistério das cousas?  Sei lá o que é mistério!
     O único mistério é haver quem pense no mistério.
     Quem está ao sol e fecha os olhos,
     começa a não saber o que é o sol
     e a pensar muitas cousas cheias de calor.
     Mas abre os olhos e vê o sol,
     e já não pode pensar em nada,
     porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
     de todos os filósofos e de todos os poetas.
     A luz do sol não sabe o que faz
     e por isso não erra e é comum e boa.
     Metafísica?  Que metafísica têm aquelas árvores?
     A de serem verdes e copadas e de terem ramos
     e a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
     a nós, que não sabemos dar por elas.
     Mas que melhor metafísica que a delas,
     que é a de não saber para que vivem,
     nem saber que o não sabem?
     "Constituição íntima das cousas"...
     "Sentido íntimo do Universo"...
     Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
     É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
     É como pensar em razões e fins.
     Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
     um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
     Pensar no sentido íntimo das cousas
     é acrescentado, como pensar na saúde
     ou levar um copo à água das fontes.
     O único sentido íntimo das cousas
     é elas não terem sentido íntimo nenhum.
     Não acredito em Deus porque nunca o vi.
     Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
     sem dúvida que viria falar comigo
     e entraria pela minha porta dentro
     dizendo-me: Aqui estou!
     (Isto é talvez ridículo aos ouvidos
     de quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
     não compreende quem fala delas
     com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
     Mas se Deus é as flores e as árvores
     e os montes e sol e o luar,
     então acredito nele,
     então acredito nele a toda a hora.
     E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
     e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
     Mas se Deus é as árvores e as flores
     e os montes e o luar e o sol,
     para que lhe chamo eu Deus?
     Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
     porque, se ele se fez, para eu o ver,
     sol e luar e flores e árvores e montes,
     se ele me aparece como sendo árvores e montes
     e luar e sol e flores,
     é que ele quer que eu o conheça
     como árvores e montes e flores e luar e sol.  
     E por isso eu obedeço-lhe,
     (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
     Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
     Como quem abre os olhos e vê,
     e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
     e amo-o sem pensar nele,
     e penso-o vendo e ouvindo,
     e ando com ele a toda a hora.

poesia: Alberto Caieiro
foto : Luiza

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