segunda-feira, 31 de maio de 2010

Caio

Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro.
Quis tanto dar, tanto receber.
Quis precisar, sem exigências.
E sem solicitações, aceitar o que me era dado.
Sem ir além, compreende?
Não queria pedir mais do que você tinha,
assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana.
Mas o que tinha, era seu.

Caio Fernando de Abreu

terça-feira, 25 de maio de 2010



entrou mansinho
pousou com cores fortes
luz nas palavras

sempre é possível
entre luzes e cores
novas palavras

abra a janela
deixe-se surpreender
o novo é belo

quarta-feira, 19 de maio de 2010

análise sintática



melhor poucas palavras
melhor o sentir
ao sem sentido

a semântica
faz conflitos
com a sintaxe

melhor o verbo
sem complemento
intransitivo

melhor entender
"te amo"
no verdadeiro sentido

sujeito simples
oculto ou inexistente
predicado verbal
sem verbos de ligação
sem predicativos
sem adjuntos
sem subordinação

imagem: google

terça-feira, 18 de maio de 2010



Quando se deseja realmente dizer alguma coisa,
as palavras são inúteis.
Remexo o cérebro e elas vêm,
não raras, mas toneladas.
Deixam sempre um gosto de poeira na boca -
a poeira do que se tentava expressar
e elas dissolveram.

Caio Fernando Abreu

imagem: google

A Flor do sonho



A flor do sonho, alvíssima, divina
Miraculosamente abriu em mim,
Como se uma magnólia de cetim
Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina.
E não posso entender como é que, enfim,
Essa tão rara flor abriu assim!…
Milagre… fantasia… ou talvez, sina….

Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos,
Que tem que sejam tristes os meus olhos
Se eles são tristes pelo amor de ti?!…

Desde que em mim nasceste em noite calma,
Voou ao longe a asa da minh´alma
E nunca, nunca mais eu me entendi…

Florbela Espanca

foto: Ugo Perissinotto

quinta-feira, 13 de maio de 2010




a noite avança
a chuva cai mansinha
o sono aponta
foto: google


meu olhar negro
tem a cor do seu sangue
dor e compaixão
foto: google


gotas de orvalho
acendem velas brancas
na folha seca


gota de orvalho
acende a vela branca
o amor secou


foto: Ugo Perissinotto


flocos de neve
com seu perfume doce
um sinal de paz
foto: Ugo Perissinotto

segunda-feira, 10 de maio de 2010



sopro de vento
carinho das mãos de Deus
nos verdes trigos
foto: Ugo Perissinotto

delicadeza



uma pitada de delicadeza
é o que faz a diferença
na receita do dia
foto: Ugo Perissinotto

quarta-feira, 5 de maio de 2010

enfrentamento




queres me assustar...
nos teus olhos de terror
meu medo some

........................
foto: Ugo Perissinotto

segunda-feira, 3 de maio de 2010

às vezes merecemos aposentar régua e compasso.




Há pouco tempo fui obrigada a lavar meus cabelos com o xampu “errado”. Foi num hotel, onde cheguei pouco antes de fazer uma palestra e, depois de ver que tinha deixado meu xampu em casa, descobri que não havia farmácia nem shopping num raio de 10 quilômetros. A única opção era usar o dois-em-um (xampu com efeito condicionador) do kit do hotel. Opção? Maneira de dizer. Meus cabelos, superoleosos, grudam só de ouvir a palavra “condicionador”. Mas fui em frente. Apliquei o produto cautelosamente, enxaguei, fiz a escova de praxe e... surpresa! Os cabelos ficaram soltos e brilhantes — tudo aquilo que meus nove vidros de xampu “certo” que deixei em casa costumam prometer para nem sempre cumprir. Foi aí que me dei conta do quanto a gente se esforça para fazer a coisa certa, comprar o produto certo, usar a roupa certa, dizer a coisa certa — e a pergunta que não quer calar é: certa pra quem? Ou: certa por que?

O homem certo, por exemplo: existe ficção maior do que essa? Minha amiga se casou com um exemplar da espécie depois de namorá-lo sete anos. Levou um mês para descobrir que estava com o marido errado. Ele foi “certo” até colocar a aliança. O que faz surgir outra pergunta: certo até quando? Porque o certo de hoje pode se transformar no equívoco monumental de amanhã. Ou o contrário: existem homens que chegam com aquele jeito de “nada a ver”, vão ficando e, quando você se assusta, está casada — e feliz — com um deles.

E as roupas? Quantos sábados você já passou num shopping procurando o vestido certo e os sapatos certos para aquele casamento chiquérrimo e, na hora de sair para a festa, você se olha no espelho e tem a sensação de que está tudo errado? As vendedoras juraram que era a escolha perfeita, mas talvez você se sentisse melhor com uma dose menor de perfeição. Eu mesma já fui para várias festas me sentindo fantasiada. Estava com a roupa “certa”, mas o que eu queria mesmo era ter ficado mais parecida comigo mesma, nem que fosse para “errar”.

Outro dia fui dar uma bronca numa amiga que insiste em fumar, apesar dos problemas de saúde, e ela me respondeu: “Eu sei que está errado, mas a gente tem que fazer alguma coisa errada na vida, senão fica tudo muito sem graça. O que eu queria mesmo era trair meu marido, mas isso eu não tenho coragem. Então eu fumo”. Sem entrar no mérito da questão — da traição ou do cigarro — concordo que viver é, eventualmente, poder escorregar ou sair do tom. O mundo está cheio de regras, que vão desde nosso guarda-roupa, passando por cosméticos e dietas, até o que vamos dizer na entrevista de emprego, o vinho que devemos pedir no restaurante, o desempenho sexual que nos torna parceiros interessantes, o restaurante que está na moda, o celular que dá status, a idade que devemos aparentar. Obedecer, ou acertar, sempre é fazer um pacto com o óbvio, renunciar ao inesperado.

O filósofo Mario Sergio Cortella conta que muitas pessoas se surpreendem quando constatam que ele não sabe dirigir e tem sempre alguém que pergunta: “Como assim?! Você não dirige?!”. Com toda a calma, ele responde: “Não, eu não dirijo. Também não boto ovo, não fabrico rádios — tem um punhado de coisas que eu não faço”. Não temos que fazer tudo que esperam que a gente faça nem acertar sempre no que fazemos. Como diz Sofia, agente de viagens que adora questionar regras: “Não sou obrigada a gostar de comida japonesa, nem a ter manequim 38 e, muito menos, a achar normal uma vida sem carboidratos”. O certo ou o “certo” pode até ser bom. Mas às vezes merecemos aposentar régua e compasso.

(Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro Mulheres – Por que será que elas..., da Editora Globo)

imagem: sempremat.blogspot.com/2009/12/projeto-estati...
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