domingo, 28 de fevereiro de 2010


(foto de Ugo Perissinotto - "tramonto sulle nostre lagune")

O sol sorrindo
enxerga-se no espelho
mudando de cor
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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Como tornar-se próximo de si mesmo e dos outros


Por que será que muitas vezes nos defendemos antes mesmo de sermos atacados? Porque estamos sobrecarregados de sentimentos reativos: sem nos darmos conta, aprendemos a evitar sentimentos que nos despertem medo e dúvida. Mas evitá-los não faz com que eles vão embora. É como se tivéssemos nos tornado alérgicos a nós mesmos... O antídoto para curar esse processo inflamatório surgirá na medida em que lentamente aproximarmo-nos de nós mesmos, de modo sincero e real.

Aproximar-se de nós mesmos significa reconhecer nossa totalidade. Ou seja, quando nos aproximamos de nossas feridas emocionais, assim como de nossas habilidades e recursos para enfrentá-las, entramos num processo tanto de enfrentamento, como de superação. Lama Gangchen Rinpoche nos fala que desta maneira podemos radicar a violência interior, parar de lutar contra nós mesmos.

Por exemplo, quando estamos diante de uma escolha afetiva -decidir ou não- unir-se maritalmente com alguém. Sabemos que esta decisão irá representar o início de um novo capítulo de nossa vida, envolvendo um roteiro de dramas e soluções. Um lado nosso diz que sim e outro não. Qual está com razão? Qual está a nosso favor?
Este é um momento em que teremos que nos aproximar de ambas as partes para escutar com sinceridade o que elas têm a para nos dizer. Uma vez "ouvidas", elas estarão prontas para conversar entre si e fazer acordos de paz.
Mas, em geral, saltamos essa etapa de escuta interior porque evitamos o desconforto de lidar com nossos sentimentos antagônicos.

Somos amigos de nós mesmos quando nos aproximamos de nossos sentimentos sem reagir a eles. Assim como quando recebemos ajuda de um bom amigo: inicialmente, ele nos escuta sem nada nos dizer, depois introduz sua percepção a respeito do conflito em questão e, por fim, juntos encontramos um modo de conseguirmos dar o salto: encontrar um novo olhar com o qual recuperamos força para seguir adiante.

A questão que nos impede de sermos bons amigos de nós mesmos é que negamos nossos sentimentos devido ao hábito de interpretá-los, antes mesmos de conhecê-los!
Desde crianças, fomos ensinados a pensar nossos sentimentos ao invés de senti-los. Fomos incentivados a sermos racionais e a ter lógica e bom senso.

Obviamente, se estivéssemos em constante harmonia com nosso mundo emocional, esta seria uma atitude acertada diante de nossos processos de decisão afetiva. Mas, em geral, não é bem assim que ocorre. Tomamos decisões baseadas na lógica, porém precipitadas... Diante da inabilidade em lidar com o desconforto dos sentimentos antagônicos, passamos por cima deles. Quando agimos assim, nossas decisões não são escolhas, mas sim, mecanismos de defesa para não sentirmos nossos sentimentos. É como sair do banho com frio e colocar qualquer roupa só para não sentir frio. Depois, quando nos deparamos mal vestidos, temos que voltar atrás e escolher o que vamos vestir.

Queremos e não queremos um monte de coisas ao mesmo tempo! Creio que aprendemos cedo demais uma premissa sobre nós mesmos que não é tão verdadeira quanto pensávamos: a de que somos seres mamíferos racionais!

Será que somos tão racionais assim? Afinal, quando nos deparamos com emoções mais fortes nos surpreendemos com o modo como elas nos dominam a ponto de perdermos a capacidade de raciocinar.

Creio que já aprendemos a pensar, agora nos falta aprender a sentir. Se não, correremos o risco de nos tornarmos excessivamente racionais, a ponto de não sabermos mais o que, de fato, estamos sentindo.

Desta forma, criamos uma certa distância com relação a nós mesmos. Estranhamente, sentimos esta distância como uma barreira que nos impede de nos harmonizarmos internamente. Quem não conhece a sensação de não conseguir se sentir em sintonia consigo próprio?

Isto se torna cada vez mais evidente quando nosso mundo interior vive num contexto muito diferente do mundo exterior. Isto é, aparentemente estamos de acordo com os eventos externos, mas internamente vivemos "num outro mundo". O contrário também ocorre quando vivemos intensamente nosso mundo interno, mas dissociados dos eventos externos.

A questão é: seja longe de nós mesmos ou longe de nosso mundo externo, uma hora teremos que lidar com ambas realidades.

Na medida em que, por uma razão ou outra, os sentimentos pouco "sentidos" vêm à tona temos a oportunidade de nos aproximarmos de nós mesmos. Esta aproximação nos traz um sentido natural de pertencimento, de continuidade, ou seja, de poder seguir em frente sem barreiras.

Por isso, ao contrário do que se possa pensar, sentir-se próximo a si mesmo não é uma atitude egocentrada nem egoísta, mas, sim, de autoconhecimento. Afinal, quanto mais estivermos à vontade conosco, menos reativos seremos! Em outras palavras, mais relaxados e serenos para lidar com as reações alheias.

Quanto mais formos reativos a nós mesmos, menos capacidade teremos para nos aproximar de nossos sentimentos. Sentir os sentimentos é mais do que pensar sobre eles. Senti-los significa aproximar-se de si mesmo com amizade, abertura e gentileza.

Não reagir emocionalmente é um sinal de maturidade e equilíbrio. Mas, para tanto, é preciso sentir a tensão interna e dissolvê-la gradualmente. Se não notarmos a pressão interna em seu estado inicial, ela irá crescer até explodir por não encontrar uma via de escape!

Lama Gangchen Rinpoche nos alerta do quanto é preciosa esta sensação de proximidade em todos os relacionamentos, sejam eles de médico e paciente, pais e filhos, entre irmãos, amigos, ou entre instituições e povos de diferentes raças.
Rinpoche ressalta que sentir-se próximo não quer dizer sentir-se íntimo. Mas sim ser tocado pela existência do outro. Desta forma, sentimos naturalmente empatia por ele e disponibilidade para ajudá-lo. Aquele que sente este tipo de proximidade não sente solidão.

Muitas vezes, quando estamos sós, buscamos instintivamente o contato com a Natureza para nos consolar.

Lama Gangchen enfatiza que este sentimento de proximidade com a Natureza está estreitamente vinculado com a nossa capacidade de envolver-se afetivamente com as pessoas. Aliás, diz ele, que há uma conexão direta entre o distanciamento, que vivemos hoje em dia da Natureza morando na cidade, com o aumento de conflitos nos relacionamentos afetivos.

Neste sentido, se quisermos melhorar nossos relacionamentos afetivos, precisamos dedicar mais tempo para ficar em contato direto com o vento, o fogo, a terra, a água e o espaço. Lugares abertos, como a vista do horizonte em alto mar ou do topo de uma montanha, são experiências que quando vivenciamos guardamos como tesouros na memória de nosso coração.

Quanto mais próximos nos sentirmos da Natureza, mais respeito e amor teremos por ela. Quando mais próximos nos sentirmos uns dos outros, mais e alegria e gratidão teremos por estarmos vivos, perto uns dos outros.

Bel Cesar

psicóloga , pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano. Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções e Mania de sofrer pela editora Gaia.
Texto e imagem reproduzidos do site: http://somostodosum.ig.com.br

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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

no seu jardim


( foto minha - samambaia de botucatu - unesp)

Na delicadeza de suas palavras,
um carinho me encanta.
Como a samambaia,
que brota sozinha
entre as pedras.
Seus braços, por vezes,
como as folhas,
parecem querer me abraçar.
Parecem pedir um abraço,
mas um vento nordeste
não me deixa te alcançar.
Então, continuo passeando,
encantada,
no seu jardim.
Em algum momento,
o vento há de mudar.

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...entre mim e o Deus

..."Não é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso, entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus."

Clarice Lispector

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

papaveri


( papaveri..foto de Ugo Perissinotto)

a noite entra
o vento passa por aqui,
refresca.
as idéias são muitas,
as palavras...
se perdem
os sentimentos
se misturam na música,
adoro piano,
a balada do violão
e vozes afinadas.
hoje não tem lua.
não me venha com conversa mole.
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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

pra refrescar o calor ....


(barquinho rimorchiatore - foto de Ugo Perissinotto)

Silêncio branco
o barco espera o tempo
da neve passar
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depois da chuva
a lua minguou breve
dormiu na nuvem

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A capacidade de se auto-sustentar


( não sei o nome do artista)

A capacidade de auto-sustentação surge à medida que nos sentimos disponíveis para nós mesmos: estamos à vontade exatamente com quem somos.

Quando paramos de nos defender de nós mesmos, naturalmente nos tornamos boa companhia.
Esta amizade interior não ocorre apenas no nível do pensamento, como se pudéssemos simplesmente dar uma ordem interna: seja amigo de você mesmo, aprenda a se bastar!.

A auto-sustentação não surge porque nos demos uma ordem, mas sim porque nos abrimos para nós nos recebermos tal qual como somos.
Auto-sustentação não quer dizer estar desconectado de qualquer fonte de nutrição e contar apenas com seus recursos.
È exatamente ao contrário!

Ela surge quando superamos o condicionamento de que somos seres solitários. Em outras palavras, auto-sustentar-se não quer dizer ser só eu, por mim mesmo, mas sim, em ser si mesmo no todo.
Este é um processo profundo, que requer um treinamento mental capaz de nos ajudar a desconstruir nossos hábitos mentais negativos.

Bel Cesar
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domingo, 21 de fevereiro de 2010

despedida


( foto minha - orquídea do orquidário de Monte mor )

Uma bela orquídea roxa,
espécie rara,
tem seu tempo,
breve.
Na despedida,
nem chora.
Aperta os olhos
e a boca.
A dor contida de uma vida
suspira aliviada.
A dor da resistência
é maior.
Bom é poder ter tido a alegria
de admirar sua beleza
e aprender sua força.
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ANTEPASSADO


Só te conheço de retrato,
não te conheço de verdade,
mas teu sangue bole em meu sangue
e sem saber te vivo em mim
e sem saber vou copiando
tuas imprevistas maneiras,
mais do que isso: teu fremente
modo de ser, enclausurado
entre ferros de conveniência
ou aranhóis de burguesia,
vou descobrindo o que me deste
sem saber que o davas, na líquida
transmissão de taras e dons,
vou te compreendendo, somente
de esmerilar em teu retrato
o que a pacatez de um retrato
ou o seu vago negativo,
nele implícito e reticente,
filtra de um homem; sua face
oculta de si mesmo; impulso
primitivo; paixão insone
e mais trevosas intenções
que jamais assumiram ato
nem mesmo sombra de palavra,
mas ficaram dentro de ti
cozinhadas em lenha surda.
Acabei descobrindo tudo
que teus papéis não confessaram
nem a memória de família
transmitiu como fato histórico
e agora te conheço mais
do que a mim próprio me conheço,
pois sou teu vaso e transcendência,
teu duende mal encarnado.
Refaço os gestos que o retrato
não pode ter, aqueles gestos
que ficaram em ti à espera
de tardia repetição,
e tão meus eles se tornaram,
tão aderentes ao meu ser
que suponho tu os copiaste
de mim antes que eu os fizesse,
e furtando-me a iniciativa,
meu ladrão, roubaste-me o espírito.

Carlos Drummond de Andrade.

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(na foto, meu avô, na luz. sem aranhóis de burguesia.
un uomo di coraggio,un bravo, bravíssimo!!!)

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

a cor de sol


( foto minha - Por do sol em Monte Mor )

Dorme o sol.
Cores se misturam
em tons sombrios
na sua despedida.

Um silêncio imenso
cobre a cidade,
invade os ouvidos.
As luzes se apagam.

Repousam os corpos,
com certa insônia,
para a grande cerimônia
do dia seguinte.

a-cor-de-sol!


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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

labirinto



No labirinto
infinito dos pensamentos,
alguns se arriscam,
outros se perdem.

A claridade ofusca os olhos
A calma fere os sentidos

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sábado, 13 de fevereiro de 2010

antes do nome

Não me importa a palavra , esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Adélia Prado, "Bagagem"

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Ensinamento





Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Adélia Prado

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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Mas há vida



Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Clarice Lispector

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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010


(foto de Ugo Perissinotto)

Guardiãs da estrada
esperam pacientes
o inverno passar

( foto de Ugo Perissinotto)

em tons sobre tons
o céu encontra o mar
o cisne, a sombra

a joaninha


( foto de ugo perissinotto)

Segura de si
a bela joaninha
muda o caminho

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sábado, 6 de fevereiro de 2010

Carambolas


( carambolas da chácara do meu irmão João)

Carambolas
ora, bolas...
Cheiro de infância,
de vida ,
de criança.

Sabor de amor.

Se pegar verde,
amarra a boca.

Se deixar passar,
amarga.

Tem que ser no ponto.
Madura.

O bom é comer no pé.

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Chora o céu


(foto da net)

Lá fora, a chuva
Chora o céu feito criança
Uma sinfonia
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Lá fora, a chuva
Chora o céu feito criança
Pedindo ajuda

No inverno é bom deitar,
no quentinho,
escutar a chuva mansa cair.
Sinfonia em lá menor,
doce som

No verão,
a agonia
da chuva brava
revolta ...
concerto em dó maior.

Ventos fortes
levam tudo embora
árvores, casas, carros...
As pessoas se seguram
como podem
na sua fé
inabalável,
na dor
indescritível

A chuva está nos olhos.
Os anjos estão nos braços
que carregam
o que a correnteza
ainda não levou

Reconstruir a vida
depois da chuva
é uma sinfonia
em lá maior.

A fé
está no coração
no som, suspiros
dos alagados,
quase afogados
que a chuva não matou.

Quem sabe a chuva traga
a consciência...
na correnteza suja,
contaminada...

A natureza cobra,
cruelmente,
o que os homens
estragam
impunemente.

Quem vai limpar os rios
que atravessam as cidades?
Quem vai cuidar
do lixo das ruas?
Quem vai ensinar
as pessoas
que o planeta
pede ajuda?

Lá fora, a chuva.
Chora o céu feito criança.
Uma sinfonia,
um concerto
que alguns assistem
nos camarotes
como nos desfiles
de carnaval.

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Clarice



“Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro... Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu... Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você, sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige."

Clarice Lispector

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